SUICÍDIO INFANTIL: A AUTODESTRUIÇÃO SILENCIADA.
(Imagem retirada da internet.)
RESUMO
Esta pesquisa busca investigar os multifatores que
estão por trás do suicídio infantil, entendendo e descrevendo o porquê se
manifestam de forma silenciada, utilizando o método de pesquisa de revisão
bibliográfica acerca do suicídio na infância, veiculados em bases eletrônicas.
Foram feitas pesquisas nas bases eletrônicas Pepsic, BVS, Lilacs e Scielo.
Também foram realizadas pesquisas de fontes localizadas em artigos, livros,
dissertações de mestrado e tese de doutorado. Segue uma ordem de organização de
conteúdo, a qual se inicia com o suicídio em discussão, acompanhado da
exposição dos índices de suicídio geral e infantil. Na sequência é descrito o
desenvolvimento da infância e sua relação com a morte, abordando posteriormente
os multifatores influentes para o pensamento suicida até a realização do ato,
explorando as possibilidades do ser criança, e finalizando com uma proposta
interventiva para a sociedade, onde inclui profissionais, instituições e a
integralidade de ambos, para observar e refletir nas possibilidades de mudança
da negativa realidade aqui apresentada.
1.
INTRODUÇÃO
O tema abordado refere-se ao suicídio como uma
realidade presente na vida de muitos indivíduos de várias faixas etárias e em
vários contextos culturais, como uma maneira de cessar os próprios sofrimentos,
enxergando tal ato como solução. Algumas das possíveis causas que influenciam o
comportamento e ato suicida, como mostra a Organização Mundial de Saúde (2012),
são: a depressão, histórico familiar de suicídio, uso de álcool e drogas na
família, abuso sexual, abuso de poder, bullying, estresse, pressão interna e a
dificuldade de interação social. Entretanto, mesmo com a presença de tais
fatores influentes para com o indivíduo, como relatado pela OMS, bem sabemos,
que as causas determinantes estão muito além de fatores individuais, assim como
Durkheim (2000) reflete em seus escritos, é um problema mais social do que
puramente individual, envolvendo, por exemplo, o meio cultural e as relações
sociais.
Sendo também, questões influentes para tal
pesquisa, a inquietação que nos trouxe o assunto e a necessidade de
conscientização e desmistificação em relação ao tema, para criar condições de
enfrentamento e articulação de saberes e práticas de profissionais e
instituições, para combater tal realidade.
A pesquisa discorre sobre os dados mundiais e
depois nacionais sobre os suicídios em geral e em seguida, focando nos dados de
suicídio infantil. Expondo sobre a construção histórica da infância, as
mudanças culturais e alguns dos principais fatores, principalmente culturais,
que tem agravado o número de suicídios infantis, tornando-o assim, um problema
social e de saúde pública. Focalizando também, na importância da expansão do
tema na sociedade para se construir uma cultura mais consciente e preparada
para lidar com a morte, não apenas em sua aceitação, mas principalmente, como
prevenção.
2.
O
SUICÍDIO EM DISCUSSÃO
O suicídio, em uma visão geral e profunda, como
cita Bouchard, (2002, apud COSTA E ADRIÃO, 2005, p. 1) “é um
meio de coerção e de vingança contra sentimento de importância e de
incapacidade de mudar uma situação problemática. O objetivo é mais, na maioria
das vezes, mudar de vida e não, por fim à mesma”. Já a tentativa de suicídio é
caracterizada como uma ação malsucedida de pôr fim a própria vida.
De acordo com Bertolote & Fleischmann
(2002 apud BARBOSA et al, 2011), estima-se que em 2020,
aproximadamente 1,53 milhões de pessoas no mundo morrerão por suicídio. Isso
significa que um número de dez a vinte vezes maior de pessoas tentará suicídio.
Representando um caso de morte por suicídio a cada 20 segundos e uma tentativa
a cada 1 ou 2 segundos.
Em termos globais a mortalidade por suicídio
aumentou em 60% nos últimos 45 anos, especialmente entre adultos jovens (MCGIRR
et al, 2007 apud BARBOSA et al, 2011). A Organização
Mundial de Saúde (OMS) ressalta que a cada 40 segundos uma pessoa comete
suicídio, sendo cerca de 2.192 pessoas por dia, e mais de 800 mil pessoas por
ano (OMS, 2014 apud ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA,
2014). E segundo a WHO (et al, 2014 apud BOTEGA 2014), esses
números superam a soma de todas as mortes causadas por homicídios, acidentes de
transporte, guerras e conflitos civis.
É importante destacar que nesses dados não estão
incluídas as tentativas de suicídio, que são de 10 a 20 vezes mais frequentes
que o próprio ato em si. Entretanto, é importante ressaltar que como afirma
Meleiro (2004 apud BARBOSA et al, 2011), os dados oficiais
relativos às tentativas de suicídio são mais falhos do que os de mortalidade
por suicídio. E que as informações que a OMS disponibiliza estão
subnotificadas, pois nem todos os países enviam seus dados atualizados.
No Brasil, conforme os dados apresentados pela Associação
Brasileira de psiquiatria (ABP), em 2012 foram registradas 11.821 mortes por
suicídio, aproximadamente 33 mortes por dia. Com um aumento de 10,4% entre 2000
e 2012, e dentre esta porcentagem, 30% desse aumento ocorreu entre jovens
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2014). Os dados sobre mortalidade por
suicídio no Brasil são constatados pela verificação dos atestados de óbitos, os
quais são reunidos pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do
Ministério da Saúde. Esses dados costumam estar subestimados, pois segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que 15,6% dos
óbitos não foram registrados em cartório (sub-registro), e que, segundo
estatísticas do Ministério da Saúde, o IBGE calculou que 13,7% dos óbitos
ocorridos em hospital, podem não ter sido notificados (subnotificação),
referentes ao mesmo ano (IBGE, 2006 apud BOTEGA 2014).
Tais subnotificações contribuem para que o assunto
se torne camuflado e classificado como outras causas de morte, como afogamento,
acidentes automobilístico, envenenamento acidental e mortes por causas
indeterminadas. Segundo uma pesquisa, foi observado que as mortes por causas
indeterminadas têm superado o suicídio em países da America Latina, incluindo o
Brasil. Sendo que, grande parte de tais mortes são consideradas suicídios, como
em pesquisa feita no Estado de São Paulo, por exemplo, que de 496 óbitos, 11
derivou-se de suicídio e que 66% ainda continuou com causa
indeterminadas. (BOTEGA, 2014).
O órgão responsável pelo envio dessas informações
das declarações de óbito ao Ministério da Saúde, segundo Barbosa et al (2011) é
o Instituto de Medicina Legal (IML), mas ainda conforme citam as autoras, nem
todas as regiões do país preenchem os dados corretamente. Dessa maneira, conforme
esclarece Barros (2003 apud BARBOSA et al, 2011), a OMS
consegue rastrear apenas 80% das mortes no país.
Diante das publicações sobre o assunto, percebemos
que o suicídio vem crescendo significativamente nas últimas décadas e
envolvendo todas as faixas etárias e também os vários contextos
socioeconômicos.
Como afirma Botega (2002 apud BARBOSA
et al, 2011) refletir sobre o suicídio é também analisar por que este fenômeno
tem sido silenciado ao longo dos anos pela sociedade, autoridades responsáveis,
profissionais de saúde e familiares, camuflando assim, um grave problema de
saúde pública no Brasil e no mundo. Sendo, o suicídio, um tema que ainda
permanece pouco discutido entre a população.
Enquanto, o que deveria ser feito é a propagação do
assunto e a busca por cuidar e prevenir, seja dentro e fora das escolas, das
casas, nas mídias, nas políticas e até nas implantações culturais. Pois, como
diz Durkheim (2005), o suicídio está mais relacionado a um problema social – em
vista das influências e consequências sociais na vida do indivíduo – quando
comparado aos demais fatores.
Desde o nascimento o ser humano é preparado para a
vida, em criação, educação, dentro ou fora das escolas. Mas, não sendo
preparado e nem educado para lidar com a morte. E este desenvolvimento não
precisa acontecer em nenhum lugar específico ou distante, mas sim, no seio da
sociedade a qual está integrada (KOVÁCS, 2005).
Segundo a OMS (2014 apud BOTEGA,
2014), o suicídio está classificado entre as três principais causas de morte no
mundo, e conforme apontam recentes pesquisas, tem maior ocorrência nos grupos
de adolescentes, adultos jovens e crianças. E segundo Braga et al (2013) foi
constatado que entre indivíduos de 15 a 44 anos, está entre as três principais
causas de morte, e entre indivíduos de 10 a 24 anos, como a segunda principal
causa de morte. E diante os aumentos desses índices, a OMS passou a considerar
o suicídio como problema de saúde pública mundial. Assim, nota-se o quanto é
preciso dar atenção especial a esse problema, pois, como esclarece Werlang
(2013 apud OSMARIN 2015), já se tem registros de óbitos por
suicídio a partir dos cinco anos de idade.
Fensferseifer e Werlang, em seus estudos,
constataram que quase metade dos incidentes com crianças são consideradas
tentativas de suicídio, e que os pais ou responsáveis tem dificuldades de
perceber as pistas deixadas por essas crianças, não identificando os avisos das
idealizações de tentativas suicidas (FENSFERSEIFER E WERLANG, 2003, apud COSTA
E ADRIÃO, 2005). Outro fator importante é que 75% a 90% das pessoas que tentam
ou cometem suicídio, antes, comunicam as suas intenções suicidas com familiares
e amigos, seja de forma direta ou indireta, como ressalta Lithan (1996),
Shneidman (1994), Werlang e Botega (2002, apud COSTA E ADRIÃO,
2005).
Essa concepção também se aplica para as crianças,
visto que a consciência da realidade, como da morte, vai se aprimorando e se
concretizando com o passar da idade e contato social, com o seu desenvolvimento
biopsicossocial. E como diz Friedrich (1986), Assumpção Jr. (1997 apud COSTA
E ADRIÃO, 2005, p. 5), essa criança que comete suicídio, “este ser que tem a
vida pela frente está optando reduzir seu caminho de forma trágica trocando
assim a infância pela autodestruição[4] da inocência”.
Em seus estudos, Gama (1987 apud COSTA
E ADRIÃO, 2005, p. 6) ressalta que “o suicídio é o resultado de um processo
que, em muitos casos, se desenvolve durante vários anos e que o melhor a fazer
é levar a pessoa que está dando avisos, a um profissional que possa ajudá-lo a
não tentar mais cometer o ato”. Mais fácil seria se o assunto fosse mais
problematizado no meio social em geral e, que assim, maior atenção fosse dada
pela busca das soluções adequadas.
2.1
A
CRIANÇA E A MORTE
A infância é uma construção histórica e que durante
muito tempo não havia uma distinção entre o mundo infantil e o mundo adulto. Na
idade média as crianças pequenas repentinamente transformavam-se em homens
jovens, sem passar pelas etapas da juventude. Como enfatiza Ariès (2006), as
transmissões de valores e conhecimento e a socialização da criança não eram
asseguradas e nem controladas pela família. A criança logo se afastava da
família e sua educação ocorria por aprendizagem através do convívio com outros
adultos.
Segundo esse autor, as maiores atenções eram
reservadas para a criança enquanto pequena, “bonitinha” e quando poderia ainda
divertir os adultos, como se fosse um “animalzinho” de estimação. E pouco
ressentimento se tinha quando essas pequenas crianças morriam. Pensavam-se, na
cultura da época, que logo viria outra para substituir. Era como se a criança
vivesse em um contínuo anonimato.
O sentimento entre cônjuges, pais e filhos, não era
necessário para a existência da família. O que mais se preservavam eram a
conservação dos bens, prática de um ofício, ajuda mútua, e proteção da honra e
das vidas. Mas isso não quer dizer que o sentimento de amor não existisse.
Existia muitas vezes até antes do casamento e em outras tantas, depois do
casamento, com o convívio. Diante disso, as comunicações sociais e as trocas
afetivas com as crianças, ocorriam fora do âmbito familiar, em um meio mais
acolhedor e caloroso, formado por vizinhos, amigos, criados, homens, mulheres,
velhos e crianças, com quem podiam se expressar mais livremente. Sendo
entendida como uma sociabilidade, essa tendência à necessidade de comunicação e
encontros com o outro. O autor classifica essas características como sendo das
antigas sociedades, ao contrário das características presentes nas sociedades
industriais. (ARIÈS, 2006).
No fim do século XVII ocorrem mudanças nessas
formas, valores e práticas cotidianas. A reforma de alguns aspectos sociais,
advindas de influência protestante entre outras, por exemplo, predomina na
moral dos homens. A família torna-se lugar de afeição necessária, afeição esta,
que passou a expressar sua importância para com a educação. Assim, a escola
toma o lugar do convívio e aprendizado diário com os adultos, passando a ser a
forma de educação das crianças. É nessas circunstâncias que, como cita Ariès
(2006), a escola passa a representar uma espécie de quarentena, antes das
crianças disporem de um convívio mais aberto com o mundo. E esse processo de
enclausuramento, o qual se dá o nome de escolarização, se estende até os dias
de hoje.
A criança passa então, de um anonimato para um
lugar muito visível, dentro das famílias e em toda a sociedade. Os pais passam
a ter uma diligência e esmero com suas crianças, o qual foi característico dos
séculos XIX e XX, mas que outrora, eram desconhecidas (ARIÈS, 2006). Passou-se
a entender que a criança não estava preparada para encarar o mundo tão
facilmente apenas pelo convívio e aprendizagem com os adultos. Foi enxergada
uma necessidade de prepará-la para a vida com os adultos, diante da importância
que elas passaram a receber na transição dos tempos. Assim, a educação escolar
toma a cena no lugar das ruas e de suas experiências.
As mudanças dos tempos, sua evolução, o passar das
gerações e evoluções de todos os níveis na sociedade, ocorrem junto com novos
pensamentos e consequências positivas e negativas. Não negável, as evoluções
foram muitas, juntas com seus visíveis benefícios, como por exemplo, a criação
do Estatuto da Criança e do Adolescente, como cita o art. 4º do ECA (Lei Nº
8069/90), assegurado pelo art. 227 da Constituição Federal de 1988, o qual
afirma que é dever da Família, da Sociedade e do Estado assegurar a criança e
ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. E, garantindo ainda, que devem ser
protegidos de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
Entretanto, diante das imperfeições contidas nas
criações humanas, também percebemos grandes consequências negativas, como por
exemplo, a vida muito preenchida de atividades extra-escolares, sem tempo para
o lazer e para o brincar – característico e fundamental para o processo de
desenvolvimento infantil[5] – e na maioria das vezes
tendo a influência dos pais nessa aceleração de compromissos, tendo que em
muitos casos, adequar-se à modernidade, transformando-se “em pequenos adultos”.
Como cita Staviski et al, (2013), esquecem-se do presente e não aceita a
criança como ela se encontra no agora, e sim, na expectativa do que ela poderá
vir a ser. Essas consequências negativas de acordo com Meira (2003 apud STAVISKI
et al, 2013), reforçam como a criança contemporânea é afetada pelo meio no qual
está inserida e como passa a reproduzir um viver acelerado, que,
consequentemente acarreta em prejuízos para as suas vidas, como também, para
todos os demais, em todas as faixas etárias e culturas, a curto e longo prazo.
Como sabemos, as culturas são mutáveis e o contexto
influencia na maneira como ela é adaptada pela coletividade e pelo indivíduo.
Segundo Marconi e Presotto (2005 apud DINIZ, 2007) o conceito
de cultura varia no tempo, no espaço e em sua essência. De acordo com Lakatos
(1999 apud DINIZ, 2007, p. 19), “as culturas mudam
continuamente, assimilam novos traços ou abandonam os antigos, através de
diferentes formas. As culturas estão sujeitas aos aspectos como crescimento,
transmissão de hábitos, difusão ideológica, estagnação, declínio e fusão”.
Nada tem permanecido exatamente igual, desde as
primeiras gerações. Conforme Ullmann (1991 apud NEPOMUCENO
& ASSIS, 2008), as mudanças são necessárias, pois existem novas situações
históricas que devem ser enfrentadas; convulsões sociais que exigem, após seu
termino, novas respostas e soluções. Desse modo, as relações sociais são como
ciclos renováveis. O homem tem a necessidade de criar e procriar, e isso, não
apenas biologicamente, mas em todos os sentidos sociais, referindo-se tanto da
matéria, como da essência. As formas de valores e ensino também mudaram com o
tempo, e a cada dia algo novo se percebe na cultura atual.
Com decorrência das evoluções industriais, econômicas,
tecnológicas, e tantas outras mudanças, os valores, costumes e objetivos dos
homens também mudaram. Dias mais preenchidos com trabalhos, vidas ocupadas e
com pouco lazer, relações sociais limitadas e superficiais, valores sendo
mudados por regras. Não generalizante, mas a grande e considerável maioria tem
se cercado por esses modos “modernos” de vida.
As pessoas têm cobrado muito de si e dos outros.
Hoje, a produção acelerada e cada vez maior, tem por objetivo o aumento das
rendas econômicas. Não muito distante, mas os noticiários e os demais recursos
midiáticos têm mostrado claramente os atuais e competitivos e consumistas modos
de vida, e, que são crescentes e perpassados de gerações para gerações, como
modelos de vida.
Os adoecimentos têm crescido, não só no Brasil, mas
em todo o mundo. Segundo os dados da OMS, mais de 300 milhões de pessoas sofrem
de depressão no mundo. Um número maior que a população brasileira e os demais
países de língua portuguesa, somados. De acordo com os dados, houve um aumento
de 18% nos casos de depressão, entre os anos de 2005 e 2015. E segundo a
agência da ONU (Organização das Nações Unidas), a depressão é uma das
principais causas de mortes por suicídio, sendo aproximadamente 800 mil por
ano. Já no Brasil, segundo a OMS, foram registrados 11,5 milhões de casos de
depressão, sendo quase 6% da população (ONU, 2017).
Em relação ao tratamento, conforme dados da
Organização Pan-Americana de Saúde e Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS),
aproximadamente sete de cada dez pessoas com depressão não recebem o tratamento
necessário (OPAS/OMS, 2017).
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-V), o transtorno depressivo maior é caracterizado por
episódios distintos de no mínimo duas semanas de duração, apesar da maioria dos
episódios durarem um tempo consideravelmente maior (DSM – V, 2014). Os
elementos que mais se sobressaem nas síndromes depressivas são o humor triste e
o desânimo. Entretanto, conforme Dalgalarrondo (2008, p. 307), “elas
caracterizam-se por uma multiplicidade de sintomas afetivos, instintivos e
neurovegetativos, ideativos e cognitivos, relativos à autovaloração, à vontade
e a psicomotricidade”.
Esses fatos são mostrados pelo não preparo e
suporte para lidar com uma crise individual ou social. Na maioria dos casos se
percebe a existência de um adoecimento (sofrimento) na vida de alguém através
da consequência que esse adoecimento causou – o suicídio, por exemplo – e não
pelo fato de ter percebido antes o início do sofrimento, como por exemplo, em
casos que a criança comete o ato do suicídio por um sofrimento decorrente de um
abuso sexual, o qual, ela não conseguiu expressar e que igualmente, não foi
percebido por terceiros.
Quando pensamos em adoecimento psíquico e somático,
o senso comum geralmente tem a tendência de excluir as crianças dessa densa
realidade, como se fosse uma realidade muito distante desses pequenos. Bem como
vimos e vemos, as mudanças culturais atingem não somente, mas principalmente,
as futuras gerações, aqueles que estão no ápice de desenvolvimento da
personalidade, aqueles que necessitam de exemplos para traçar como metas a se
seguirem e, aqueles que precisam de educação, para não serem “tabulas rasas” na
vida. São esses pequenos, os tão bombardeados pelas culturas mutáveis, e agora,
pelas culturas modernas, contemporâneas, cheias de regras e objetivos já
traçados de vida.
Como reflete Costa e Adrião (2005), o mundo cada
vez mais competitivo tem influenciado para que as crianças se tornem adultas
mais cedo, quando estas, ainda nem compreendem inteiramente o mundo que as
cercam.
Os dias preenchidos de estudos, aulas
complementares e esportes; trabalho escravo; situações precárias; exploração e
abuso sexual; gravidez; convívio em situações estressantes; falta de um bom
convívio familiar; abandono; humilhação e desprezo constante; influências
midiáticas, dentre outras conjunturas, são exemplos de fatores que contribuem
para o adoecimento psíquico infantil. Esse adoecimento, na maioria das vezes de
forma silenciosa, pode e tem levado muitas vezes a consequências irreversíveis,
como é o caso do suicídio.
A depressão infantil, como um dos muitos fatores de
adoecimento psíquico, tem aumentado e contribuído para a crescente busca pelo
suicídio como ato final, como forma de solução para colocar um fim na situação
estressante em que vivem. Mas é importante salientar, que o suicídio pode e
acontece mesmo que a pessoa não apresente alguma má formação em seu
desenvolvimento psicossocial, como bem fala Reis e Figueira (2002) e Fensterseifer
e Werlang (2003, apud COSTA E ADRIÃO, 2005).
De acordo com Botega (2010), em 97% dos casos,
diante os vários levantamentos internacionais, o suicídio é um marcador de
sofrimento psíquico ou de transtornos psiquiátricos. É importante salientar que
existe distinção entre esses dois fatores. O sofrimento psíquico é algo que
todos nós desenvolvemos, pois diz respeito à vivência do sujeito, ou seja,
quando ele passa por situações estressantes e difíceis, o qual acha que não vai
suportar o sofrimento ou que vai enlouquecer. Já os transtornos psiquiátricos
segundo o DSM-V: É uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente
significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um
individuo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou
de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos Mentais
estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que
afetam atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes. Uma
resposta esperada ou aprovada culturalmente a um estressor ou perda comum, como
a morte de um ente querido, não constitui transtorno mental (DSM-V, 2014, p.
20).
Tanto os fatores de ordem do sofrimento psíquico,
como de transtorno psíquico podem influenciar negativamente a vida do
indivíduo, e aqui falando, da criança. Além disso, somar-se ao fato de que em
nossa sociedade a maioria das pessoas não sabe como lidar com a morte e
tampouco buscam compreender o que ela representa, somando-se ainda, ao fato da precária
educação para com esse tema. Apesar de ser o processo final do ciclo vital, as
pessoas se negam a falar sobre o assunto transformando-o em um tabu,
principalmente com as crianças. Em muitos casos, os adultos “mentem ou ocultam
a verdade à criança sobre a morte, esta deixa de acreditar neles e pode não
voltar a perguntar” Aberastury (1984, apud SENGIK & RAMOS,
2013, p.2).
De acordo com Kovács (2002, p. 2) “existem várias
possibilidades de ocultamento para a morte, tanto culturais quanto
psicológicas. Entre estas últimas podem ser destacados os mecanismos de defesa:
negação[6], repressão[7], intelectualização[8], deslocamento[9]”. Percebemos, ainda mais, na
contemporaneidade a incitação da manutenção de vida a qualquer custo.
Segundo Morin (1970 apud KOVÁCS
2002, p. 35), “a sociedade funciona apesar da morte, contra ela, mas só existe
enquanto organizada pela morte, com a morte e na morte”. Falar de morte na
contemporaneidade é entendido como algo negativo, visto que a ciência de forma
geral trabalha incansavelmente para manter as pessoas vivas seja através de
pesquisas, medicamentos, formas de tratamento, etc. Perguntamo-nos, pois, o que
a sociedade tem a falar diante de uma morte por suicídio? E refletimos que, por
remeter a um problema maior e mais complexo, percebemos que não se discute
muito o assunto.
Existe no senso comum, uma tendência a considerar
alguém que tira voluntariamente a própria vida – sendo visto e julgado – como
uma pessoa “desequilibrada mental”, também como um covarde que não soube
enfrentar os problemas da vida, ou, levando para o lado religioso, como uma
pessoa “endemoniada”, que possivelmente cometeu tal ato por falta de fé em
Deus. E é através dessa generalização que se tiram as justificativas errôneas
do porque as pessoas se matam. Diante desse “diagnóstico”, a sociedade ao mesmo
tempo em que estigmatiza esse sujeito como alguém que não está lúcido no
controle de sua própria conduta, ela se afasta do problema ou tenta empurrar o
assunto para “debaixo do tapete”. E agindo assim, acaba impedindo que a verdade
apareça.
2.2
O
SUICÍDIO INFANTIL: POSSIBILIDADES DO SER CRIANÇA
Múltiplos são os fatores que levam o indivíduo ir
além da construção da ideação suicida, até o ato em si. Estando ele, consciente
ou não de seus atos. A questão é saber quais são estes fatores tem mais
influenciado o comportamento suicida infantil, levando em consideração a
lucidez e a noção de morte presente na vida das crianças que cometem tal ato.
Segundo Loureiro, Moreira, & Sachsida (2013),
em uma análise empírica para os estados brasileiros, a mídia é o terceiro maior
motivador de suicídio, para todos os grupos de pessoas, ficando atrás apenas do
desemprego e da violência. Constatou-se que a cada 1% de aumento na mídia, a
taxa de suicídio de jovens do sexo masculino entre 15 e 29 anos, se eleva em
5,34%. A violência também tem influência considerável para o aumento da taxa de
suicídio. Quanto mais violenta é a localidade, maior é a taxa de suicídios.
De acordo com outro estudo, o qual analisou 37
pesquisas mundiais, o bullying é outro tipo de violência que tem sido uma das
principais causas de morte por suicídio entre crianças e adolescentes (KIM
& LEVENTHAL, 2008 apud KUCZYNSKI, 2014).
O bullying é definido pelo uso de
força ou coerção para afetar negativamente aos demais, envolvendo um desequilíbrio
do poder social, físico e/ou emocional, e atos danosos voluntários e
repetitivos. Pode ser persistentemente dirigido a um alvo baseado na raça,
cor, peso, origem, grupo étnico, religião, crença, deficiência, orientação sexual,
gênero, aparência física, sexo, ou outras características que distingam o eleito
no grupo. Não está limitado a, mas prevalece entre crianças e adolescentes.
Assume várias formas: verbal, física, relacional/social e eletrônica, sendo o
último mais conhecido como cyberbullying (NASP, 2012, apud KUCZYNSKI,
2014, p. 247).
O desenvolvimento tecnológico e o crescimento
midiático inegavelmente têm atingido todos os públicos, e em especial os mais
jovens, onde são atraídos pelas novidades, games, meios rápidos e interativos
de conversa, redes sociais que os permitem acompanhar a vida de famosos e
anônimos. Perceptivelmente esses meios tecnológicos têm influenciado nas
rotinas, escolhas e comportamentos das pessoas, sendo essas influências, não
apenas positivas, mas também, negativas, as quais causam danos pelo excesso e
mal uso de tais meios. Como exemplo, podemos citar o cyberbullying,
caracterizado como o bullying virtual ou eletrônico, e que segundo Nasp
(2012, apudKUCZYNSKI, 2014), vem crescendo na atualidade.
Como podemos perceber, diante das análises
bibliográficas de dados já existentes, como mencionado durante a pesquisa, os
motivos que levam a prática do suicídio infantil não são unicamente isolados,
mas se envolvem, se influenciam, se integram. Como explanado, o crescimento
tecnológico e a mídia, juntamente com suas diversas formas interativas, se unem
em um conjunto de fatores dominantes para comportamentos, ideações e atos
suicidas entre as crianças. Apesar de alcançar outros públicos, tem se
evidenciado o quanto tem afetado as crianças – passiveis de aprendizagem e de
influências externas, pelo seu ainda evidente desenvolvimento biopsicossocial,
incluindo a formação da personalidade – principalmente no período da segunda
infância até a adolescência.[10]
Outros fatores que influenciam as crianças a
tentarem suicídio, segundo Friedrich (1986 apud COSTA E
ADRIÃO, 2005, p. 6), são os seguintes: “a perda de pessoas, dificuldades
familiares, cobranças nos afazeres domésticos porque os pais trabalhavam
esquecendo que a criança não pode ter o mesmo desempenho do adulto, separações
com muitas brigas entre os pais”, e também, por ser cada criança única, há
outros fatores influentes para o risco suicida, como: perdas recentes de
pessoas significativas ou próximas da criança, preocupação exagerada com a
morte de pessoas próximas e/ou queridas e pouca resistência à frustração.
Durkheim (1977 apud RODRIGUES,
2009, p. 702) refere-se que a sociedade não é somente uma finalidade que atrai
os sentimentos e as atividades dos indivíduos de uma forma desigual, afirmando
ser também, um poder regulador. Existindo uma relação de como ocorre essa ação
reguladora com a taxa social dos suicídios, e esta, refere-se não a tendências
coletivas ou individuais, mas sim a um critério que quantifica por um longo
período de tempo, afinal, como bem menciona o autor, “o enfoque do suicídio
como fato social mostra que cada sociedade está predisposta a fornecer um
determinado contingente de mortos voluntários”.
Outro fator importante, também trazido pelo autor,
é a justificativa errônea a qual muitas vezes atribuímos aos casos de ideações
ou atos suicidas. Embora interfiram, as questões raciais, culturais e
econômicas não são determinantes para justificar o suicídio, como exemplo, traz
a comparação de que o aumento da miséria influencia muito pouco para o aumento
dos casos de suicídio, enquanto, situações felizes, que contribuem para a
prosperidade de um país, influenciam para o suicídio, tanto quanto os desastres
econômicos (DURKHEIM, 2005).
O desejo de morte pode variar, mas sofre influência
de fatores ambientais estressantes, o que faz pontuar a importância para maior
atenção a fatores de riscos cognitivos, seja para uma primeira tentativa ou
para uma recorrência de comportamento suicida. Tais fatores podem ser:
“desesperança; carência na geração de alternativas para problemáticas e na
flexibilidade para enfrentar situações; estilo disfuncional, internalizando
eventos negativos, considerando-o estável e global (associados a quadros depressivos
de longa evolução); impulsividade” (SHAFFER & PIACENTINI, 1994 apud KUCZYNSKI,
2014, p. 249).
Apesar de não haver necessariamente um desejo
suicida explícito relacionado às mortes de adolescentes, o envolvimento em
condutas de risco definem atitudes parassuicidas aliadas a um descaso e uma
desvalorização da vida, quer pela concomitância de transtornos do humor
(principalmente a depressão e a distimia, não necessariamente diagnosticados),
quer pela existência de estressores ambientais associados a uma ausência
(objetiva ou subjetiva) de perspectivas de futuro (SOUZA & KUCZYNSKI,
2012 apud KUCZYNSKI, 2014, p. 249).
Um estudo epidemiológico realizado em 101 países,
no período de 2000 à 2009, constatou que 14,7% das mortes por suicídio
ocorreram em crianças na faixa etária entre 10 e 14 anos. Onde também foi
verificado que, destas mortes, 74% foram provocadas por meio de enforcamento e
13% por arma de fogo. Já no Brasil, segundo o Mapa da Violência do Ministério
da Saúde, entre os anos de 2002 a 2012 o número de mortes por suicídio aumentou
40% entre crianças e adolescentes na faixa etária entre 10 e 14 anos (SOUSA et
al, 2017).
Outros dados mostram que, no período de 2000 a
2008, foram constatados no Brasil, 43 casos de suicídios em crianças menores de
10 anos e de 6.574 casos de crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos, sendo
uma média de 730 mortes por suicídio, por ano. Entre as crianças, 80% dos
meninos buscaram o meio de enforcamento e entre as meninas, percebeu-se a
preferência por meios de intoxicação medicamentosa, o uso de objetos cortantes
e afogamento (SOUZA, 2010 apud KUCZYNSKI, 2014).
Esses dados e muitos outros referentes aos casos de
suicídio infantil, não inclui os casos não notificados, assim acontecendo por
escolha dos pais ou responsáveis, pedindo a alteração da causa de morte na
certidão de óbito; pela existência de cemitérios clandestinos (LOVISI et al,
2009 apud KUCZYNSKI, 2014); como também, pela desqualificação
de muitos profissionais para identificar a real causa da morte por suicídio de
crianças (MACINTIRE & ANGLE, 1973 apud KUCZYNSKI, 2014).
Diante de tantas causas de mortes por suicídio
entre crianças, o que se percebe é o interdito dessa morte por parte da família
e da sociedade em geral. Vemos o silêncio forçado ante tais fatos. Tal
interdito é como se fosse uma solidariedade a modernidade, acompanhando os
avanços da industrialização, urbanização e racionalidade, como cita Ariès
(2003 apud KUCZYNSKI, 2014). Como se o que valesse fosse
apenas o interesse em prosseguir, sem o peso das tragédias cotidianas causadas
pela morte, criando formas egoístas de se proteger, provocando o silêncio e a
indiferença diante de tal realidade e de tais riscos agravantes e crescentes,
desrespeitando assim, aqueles fragilizados e/ou já mortos.
Como diz Durkheim (2005), estamos acostumados a
encarar como anormal tudo o que é considerado imoral. E assim, como bem se
costuma fazer, estabelecendo o suicídio como algo classificadamente imoral, o
qual ofende a consciência moral da sociedade. Parece totalmente inadmissível
então, deixar de considerá-lo (o suicídio) como um fenômeno de patologia
social.
Se continuarmos caminhando em direção a resultados
negativos e crescentes, como esses já citados aqui e apontado pelos dados
previstos, é inegável a necessidade de medidas institucionais e legais
urgentes, para intervir nos meios de produção social que tem influenciado para
tais dados. Como menciona Nasp (2012 apud KUCZYNSKI, 2014), se
voltando e atuando em esforços nacionais para a prevenção, como resposta a tal
questão.
Sendo, pois, necessário que a educação focalize de
forma ampliada para a morte, partindo com base e fundamento na importância da
discussão do tema, visando a reumanização da morte, em uma sociedade a qual
interdita-a. “Escancarando” esse tema no cotidiano das pessoas (KOVÁCS, 2005).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há um questionamento perturbador de como uma
criança que socialmente é tida como “ser inocente” teria a capacidade e
compreensão de planejar e tirar a sua própria vida. Diante de tal pesquisa,
percebemos que múltiplas e complexas são as causas e questões acerca do
suicídio infantil que influencia o comportamento suicida e a sua prática.
Evidenciamos que o “mito da inocência” ainda
continua por ser difundido, tendo-se, ao mesmo tempo, os crescentes índices de
morte por suicídio em pessoas cada vez mais jovens, atingindo em grande
proporção as crianças, e isso, em todo meio social. Entretanto, não se tem
muitas pesquisas referentes ao assunto, que continua sendo pouco estudado,
discutido e questionado, contribuindo para permanência de algumas questões,
como é o caso das subnotificações dos índices, e estas, inclui vários fatores,
como por exemplo, o pedido da família para adulterar a causa da morte na
certidão de óbito, como também, a falta de preparo profissional para realização
de um bom diagnóstico, além da antiética de alguns, adulterando a causa da
morte.
Percebemos também, que metade das subnotificações
de “acidentes” envolvendo as crianças são tentativas “camufladas” de suicídio,
como ressaltado por Sengik & Ramos (2013). Além de envolver o conhecimento
dos pais ou responsáveis, de conseguir discernir uma tentativa de suicido,
também envolve o conhecimento dessa criança que tenta tal ato. E que elas
apenas começam a compreender esse fenômeno ao modo que passam a compreenderem o
conceito de morte, assim como os seus fatores de risco. É importante ressaltar
que há uma variabilidade da compreensão de morte para cada criança considerando
a sua subjetividade e o conhecimento acerca do contexto em que estão inseridas.
Se esse conhecimento for suficiente, influenciará para uma melhor avaliação do
sofrimento, percepção das possibilidades de enfrentamento e soluções, mudando a
perspectiva e/ou ideação de autodestruir-se.
As mudanças históricas e culturais incluíram a
construção da infância, influenciando os seus diversos fatores de
desenvolvimento. Tal construção envolveu uma série de questões nas vidas dessas
crianças, e se falando dos dias atuais, podemos perceber a realidade do peso de
atividades e responsabilidades diárias, que excedem o limite dessas crianças, sobrecarregando-as
e antecipando-as à vida adulta. A infância e suas etapas têm a sua importância
para um bom desenvolvimento biopsicossocial da criança, e pular essa fase ou
parte dela, rouba-lhes as premissas da inocência, do brincar, do ser criança.
Diante de tudo que já foi apresentado, quais seriam
as possibilidades ante esse fenômeno? Como as multiáreas de conhecimento e
prática poderiam intervir nessa questão? Por que se evidencia na sociedade, a
omissão ao invés da discussão? É realmente pela dificuldade de expressar/opinar
sobre um assunto tão complexo e desafiador ou é por acreditar que comportamento
suicida infantil não passa de frivolidade?
É importante atentarmos para tais questionamentos,
considerando a visão de muitos indivíduos que acreditam que o sofrimento da
criança não passa de algo imaturo e irrelevante. E diante o desconhecimento de
tal questão, acabam por omitir/disfarçar a gravidade desse sofrimento não dando
a importância necessária, acarretando e contribuindo para expansão do sofrer da
criança. Crianças que vivenciam situações de violência, seja psicológica ou
física, como, por exemplo, situações de humilhações e qualquer tipo de abuso,
podem almejar e buscar a morte como forma de fuga da realidade que se
encontram.
Percebemos assim, a importância da família, estado
e de toda sociedade, na formação da criança, seja em sua personalidade,
consciência ou demais fatores. Sendo responsabilidade social contribuir para um
bom desenvolvimento físico, psicológico, moral e social, como ressaltado no
Estatuto da Criança e do Adolescente. Devendo-se então, acolher a criança,
considerando suas questões, buscando compreender a realidade que lhe faz
desejar e buscar a morte de si mesma, visando ajudá-la a pensar e obter
possibilidades de solucionar tal problemática. Levando em consideração que
independentemente da idade, o desejo de morrer deve ser sempre levado a sério
considerando o sofrimento desse indivíduo.
Evidenciamos a inexistente educação para com a
morte na Escola, na família e em todo seio da sociedade. Sendo, pois, uma
cultura que pouco fala, pouco se interessa e muito se silencia por muito pouco
conhecer as causas que influenciam e levam ao suicídio. É essencial que a
educação sobre esse tema se difunda nas diversas culturas e em cada
instituição. E que, tais questões que envolvem esse tema, sejam levadas em
consideração, juntamente com formas interventivas, visando à redução significativa
desses índices referente ao suicídio infantil, como também, de demais faixas
etárias.
Faz-se necessário que não só a psicologia, mas que
demais áreas do conhecimento, insiram-se nos vários contextos da sociedade,
como equipe multi e interdisciplinar, (médicos, psicólogos, enfermeiros,
bombeiros, policiais, engenheiros, dentre outras áreas), que estejam
preparados, capacitados e qualificados para identificarem e intervirem atuando
de maneira prévia e com técnicas diretivas referentes ao assunto. E da intersetorialidade
(saúde, educação, assistência social, segurança, etc.), contribuindo para
eficácia de um trabalho em conjunto entre os diversos setores institucionais,
partindo com uma mesma visão e objetivo. Pois, tratando-se de um fenômeno
com múltiplos fatores e de complexa interação é necessário ser analisado por
profissionais de diversas áreas que possam contribuir para a compreensão dessa
ocorrência, de forma integrada. Contribuindo para propagar/difundir o fenômeno
do suicídio, visando à prevenção e o cuidado dentro dos diversos contextos
(familiares, educacionais, hospitalares, políticos, midiáticos, culturais,
etc.), realizando ações educativas que fale da morte sem tabus, preconceitos ou
medos.
É necessária também a produção de mais pesquisas
sobre o assunto, diante das poucas literaturas existentes. Pesquisas que
aprofundem no tema de suicídio e seus aspectos, desenvolvendo planos de ações
adequados ao contexto nacional e global. Assim, disponibilizando aos
profissionais e a população no geral, compreensão sobre as características do
comportamento suicida infantil, levando em conta que existem multifatores para
este fenômeno. Além de ofertar serviços especializados de apoio e reabilitação
para os casos de ocorrência, visando prevenir, promover e compreender de que há
sempre um sofrimento velado que necessita ser percebido.
Sendo de grande importância enfocar no tema da
morte, pois, juntamente estaremos falando de vida e ao falar de vida a
qualidade desta acaba sendo revista. Sendo o interdito da morte um inimigo a
ser vencido. Pois, quanto mais se nega a morte, mais esta se evidencia e se
apresenta através de exemplos como violência urbana, guerras e suicídio
(KOVÁCS, 2005).
Portanto, se faz necessário agora, que, como
sociedades, pesquisemos, aprendamos e adotemos formas de lidar a respeito do
suicídio. E assim, diante da solução encontrada e assentida, “chegaremos à
conclusão ou de que as reformas a fim a refreá-lo são necessárias e possíveis,
ou de que, pelo contrário, convém aceitá-lo tal como é, ainda que continuemos a
condená-lo” (DURKHEIM, 2005, p. 397).
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[1] Graduada em Psicologia pela
Universidade Potiguar
[2] Graduada em Psicologia pela
Universidade Potiguar
[3] Orientador. Graduado em
Psicologia pela UFRN
[4] De acordo com alguns
autores como Kovács (1992, p. 165) o suicídio “é a
autoeliminação/autodestruição voluntária e intencional. Tomado mais amplamente,
o suicídio inclui processos autodestrutivos inconscientes, lentos e crônicos”.
Autores como Cassorla & Smeke (1994, p.3) conceituam também o termo
Autodestruição diante a complexidade das situações autodestrutivas humanas,
tanto em sua vertente social como em suas manifestações aparentemente
individuais (suicídio, acidentes, homicídio, doenças, drogadição, etc.).
[5] Segundo Oliveira (1994,
p.8), o brincar promove experiências sociais, as quais contribuem com o
desenvolvimento cognitivo seja indiretamente (promovendo o crescimento da
habilidade de se colocar no lugar do outro), seja diretamente (fornecendo
oportunidade das crianças perceberem como são os outros).
[6] Na negação, segundo Silva
(2010 p.2),o sujeito recusa-se a aceitar a realidade ou a verdade de um fato ou
experiência. Ou seja, “o sujeito dá como inexistente um pensamento ou
sentimento que caso, ele admitisse causaria grande angústia”.
[7] A repressão envolve
meramente esquecer algo incômodo, consistindo em manter afastado da consciência
uma ideia penosa.
[8] A intelectualização
conforme cita Souza (2013, p. 3) “é a tentativa de substituir uma razão
genuína, instintiva, por uma fictícia, socialmente aceitável, isto é, para
tentar afastar-se de uma situação estressante a pessoa se utiliza de discursos
puramente abstratos”.
[9] O deslocamento que “é o
mecanismo de defesa cuja pessoa substitui a finalidade inicial de uma pulsão
por outra diferente e socialmente mais aceita” Silva (2010, p. 5). Isto é, a
transferência de sentimentos de um alvo para outro, considerado como menos
ameaçador ou neutro.
[10] Erikson (1985, apud PAPALIA,
2006) cita a principal crise de desenvolvimento da segunda infância sendo a
iniciativa versus culpa. Nessa fase a autoestima tende a ser global e
irrealista, refletindo a aprovação adulta. Na terceira infância as crianças
ainda diferem muito no comportamento social e na personalidade. O temperamento
desempenha algum papel. As crianças com o temperamento mais difícil são mais
propensas a mostrar problemas posteriores de comportamento ou delinquência.
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